Apesar de hoje em dia pensarmos que a observação direta do céu não nos traz nenhum benefício imediato, em muitas das primeiras culturas ela era motivo de sobrevivência. Era através da observação das estrelas – o Sol, durante o dia, e as outras estrelas, durante a noite – que conseguimos marcar o tempo e ver quando cada estação do ano chegava e, assim, sabermos quando podíamos plantar e colher nossos alimentos; quando o frio ou a época das chuvas chegaria, etc. Isso parece um passado muito remoto das nossas vidas, mas ao olharmos com cuidado para o cotidiano dos povos indígenas, vemos que, para muitos deles, esse aspecto da sua cultura ainda está muito presente.

Embora muito diversas entre si, muitas das diferentes etnias indígenas (brasileiras ou não) têm em comum algumas características da sua organização social, como a disposição das casas, a marcação de pedras ao redor de seu território, a execução de certos rituais e festividades etc. E estas parecem ter algum fundamento na observação do céu. Assim, mesmo que você seja uma pessoa perfeitamente à vontade com a nossa visão do espaço, a chamada visão ocidental, uma pessoa profunda conhecedora das constelações ocidentais e suas mitologias (aquelas que herdamos dos gregos e romanos), sua forma de enxergar o céu é extremamente diferente dos indígenas brasileiros, mesmo que ambos estejam vendo as mesmas estrelas.

Uma das principais diferenças é que o céu dos povos indígenas não é apenas a morada dos seus deuses e imortais, como o ocidental, apesar de também exercer essa função em algumas etnias. O céu deles é, também, uma reprodução do que vêm aqui na Terra: ele está cheio dos animais e plantas que habitam os seus territórios, de histórias que ensinam às suas crianças. A Terra é um espelho do céu. A maior prova disso são as constelações presentes no céu de muitos povos da família linguística Tupi-guarani. Nele, esses grupos enxergam: antas, ema, palmeiras, cobras e seus espíritos imortais.

Ao contrário das constelações que usualmente observamos, as constelações indígenas brasileiras nem sempre são formadas por desenhos feitos pela união de estrelas. Muitas das constelações indígenas brasileiras são formadas pelo contraste entre as partes escuras e claras da Via Láctea (você já viu a Via Láctea? Uma faixa esbranquiçada cortando o céu?), que ajuda na forma do desenho, ou mesmo pela junção das áreas de contraste com estrelas. Dessa forma, as constelações indígenas brasileiras são um pouco mais intuitivas do que as ocidentais.

Olhar para o céu de um povo com a cultura diferente da nossa nos diz muito sobre como é a cultura desse povo. No mínimo, conhecemos mais sobre sua vida cotidiana, sobre seus saberes, suas histórias e seus valores. Vale muito a pena sair um pouco do nosso mundo e entender formas diferentes de observarmos a natureza.

Carolina de Assis, astrônoma do Museu Ciência e Vida.