RIO – No fim do século XIX, o escritor inglês H. G. Wells, em seu clássico da ficção científica “A guerra dos mundos”, imaginou os marcianos armados com “raios de calor” na sua invasão da Terra. Cerca de 60 anos depois, em 1958, os cientistas americanos Charles Townes e Arthur Schawlow lançaram as bases teóricas para “concentrar” radiação infravermelha e luz visível em um raio estreito e potente, aproximando ficção de realidade.
Conhecida como laser (sigla em inglês para “amplificação de luz por emissão estimulada de radiação”), poucos anos depois a tecnologia ganhou corpo com a construção dos primeiros aparelhos emissores, logo recebendo aplicações que vão da ciência básica à medicina, passando por militares, industriais e comerciais. Agora, passados mais 60 anos, avanços na sua técnica e usos rederam ao americano Arthur Ashkin e à dupla formada pelo francês Gérard Mourou e a canadense Donna Strickland o Nobel de Física de 2018, anunciado na manhã desta terça-feira na Suécia. Ashkin ficará com metade do prêmio de 9 milhões de coroas suecas (cerca de R$ 4,1 milhões), com a outra metade sendo dividida entre Mourou e Donna.
“As invenções honradas este ano revolucionaram a física dos lasers. Objetos extremamente pequenos e processos incrivelmente rápidos agora estão sendo vistos sob nova luz. Instrumentos de precisão avançados estão abrindo áreas inexploradas de pesquisa e uma multitude de aplicações industriais e médicas”, justificou a Real Academia Sueca de Ciências, responsável pela escolha, no anúncio.
Donna é a primeira mulher a receber a láurea de Física nos últimos 55 anos, e apenas a terceira na categoria na história da premiação. As outras foram a americana de origem alemã Maria Goeppert-Mayer, em 1963, e a francesa Marie Curie, em 1903, única pessoa a ganhar dois Nobel em áreas científicas distintas – ela também recebeu o prêmio de Química em 1911.
– Verdade? É só isso? Achava que tinham sido mais (mulheres premiadas) – disse Donna em entrevista logo após ser informada da premiação. – Claro que precisamos comemorar as mulheres na física, pois estamos aí, e espero que este seja o momento de começarmos a avançar neste sentido mais rápido. Estou honrada em ser uma dessas mulheres.
Já Ashkin, de 96 anos, é a pessoa mais velha a receber um Nobel na história. Pesquisador dos Laboratórios Bell, nos EUA, ele passou mais de 20 anos estudando as propriedades dos lasers, em especial seu potencial para mover objetos, como nos “raios tratores” da série de ficção científica dos anos 1960 “Jornada nas Estrelas”, usando a chamada pressão de radiação. O fenômeno, inicialmente proposto no século XVII pelo astrônomo alemão Johannes Kepler para explicar porque as caudas dos cometas sempre apontam na direção contrária do Sol, só veio a ser provado experimentalmente no início do século XX, evidenciando o quão fraca é a força exercida por ele.
Com o advento dos lasers, no entanto, Ashkin imaginou, corretamente, que eles também “concentrariam” esta força. Em uma série de experimentos, ele mostrou que era possível usar lasers para mover partículas microscópicas, percebendo no processo que elas tendiam a se encaminhar para o centro do feixe, onde ele é mais intenso. Com isso, Ashkin também usou lasers para fazer estas partículas “levitarem”, contrabalançando a gravidade com a pressão de radiação.
Mas o grande achado de Ashkin viria a seguir. Colocando lentes para focar ainda mais os raios, o americano usou lasers para criar uma “armadilha” capaz de segurar e manipular primeiros as partículas microscópicas, depois átomos até que, em 1987, ele e sua equipe usaram a tecnologia, hoje conhecida como “pinças óticas”, para capturar uma bactéria depois vírus e outras células vivas, abrindo caminho para o estudo de seus processos sem destruir a membrana celular ou outras estruturas internas que levariam à sua morte.
– Estou ocupado agora, escrevendo um importante artigo sobre energia solar – disse Ashkin à agência de notícias Reuters. – Estou surpreso. Um cara me ligou e me acordou (o anúncio da premiação foi às 6h45 no horário de Brasília, 5h45 na região de Nova York, onde ele nasceu e ainda vive).
Mourou e Donna, por sua vez, receberam o Nobel pelo desenvolvimento de técnicas que permitem aumentar enormemente a intensidade dos feixes de laser e produzir pulsos extremamente curtos, baseadas em pesquisas feitas por ela para sua tese de doutorado nos anos 1980. Então, a busca para produzir lasers cada vez mais potentes tinha atingido uma barreira. Obtidos a partir de uma reação em cadeia em que as partículas de luz, os fótons, geram cada vez mais fótons, os feixes estavam ficando tão intensos que destruíam os meios que eram usados para amplificá-los.
A solução para o problema proposta por Donna e Mourou, batizada “amplificação de pulso chilreado” (CPA, na sigla em inglês), é considerada tanto simples quanto elegante. Descrita em artigo publicado em 1985, ela consiste em separara e “esticar” as ondas de luz antes de amplificá-las, reduzindo assim a potência máxima que atingem dentro do meio. Depois, elas são novamente unidas e “comprimidas”, resultando em pulsos muito mais potentes e curtos.
O desenvolvimento da técnica pela dupla abriu caminho para diversas novas aplicações da tecnologia. “Piscando” a cada femtossegundo – ou um milionésimo de bilionésimo de segundo -, estes lasers permitem observar reações químicas ou outros processos ultrarrápidos que até então só podiam ser vistos “antes” e “depois”, “congelando-os” no tempo de forma similar que uma luz piscante de boate parece imobilizar as pessoas dançando. Outro uso comum destes lasers rápidos e intensos atualmente são as chamadas cirurgias refrativas, na qual oftalmologistas delicadamente mudam a curvatura da córnea de forma a reduzir ou eliminar a necessidade de óculos para corrigir problemas de visão como a miopia.
O Prêmio Nobel de Física é o segundo a ser anunciado este ano. Nesta segunda-feira, o americano James Allison e o japonês Tasuku Honjo receberam o Nobel de Medicina ou Fisiologia por descobertas que estão ajudando a revolucionar a luta contra o câncer . Nesta quarta, Química encerra a lista no campo das ciências, com o Prêmio Nobel da Paz sendo divulgado na sexta-feira e Economia fechando a lista de 2018 na próxima segunda-feira. Este ano, excepcionalmente, o Prêmio Nobel de Literatura não será anunciado , ficando para 2019 em razão de um escândalo de assédio sexual que atingiu a Academia Sueca, responsável pela escolha.
Fonte: https://oglobo.globo.com/sociedade/
Cesar Baima